A economia circular está transformando a indústria de celulose

set. 15, 2023

As megatendências globais, a mitigação das mudanças climáticas e a economia circular estão direcionando os principais players da indústria florestal para uma importante transformação industrial. A indústria está abandonando os modelos de negócios tradicionais e adotando, de forma corajosa, novas tecnologias e estratégias

Joao Cordeiro, Head of Pulp & Paper, AFRY Process Industries has worked in the industry for almost 40 years

Espera-se que os mercados de novos produtos de base biológica mais que dobrem de valor durante os próximos 15 a 20 anos."

A capacidade global de celulose química cresceu de 163 milhões de toneladas em 2012 para 180 milhões de toneladas em 2022. Um grande aumento em apenas 10 anos. As pastas químico-mecânicas apresentaram um crescimento ainda mais rápido, de cerca de 11 milhões de toneladas em 2012 para quase 18 milhões de toneladas em 2022.

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Joao Cordeiro, Diretor de Celulose & Papel, da AFRY Process Industries, trabalha na indústria há quase 40 anos.

João Cordeiro, Diretor de Celulose & Papel da AFRY Process Industries, explica: "a indústria de celulose está em uma maré favorável há alguns anos, por vários motivos. O crescimento constante do mercado global de papel tissue, que foi agravado devido à oferta cada vez menos de papel recuperado e mudanças drásticas no fornecimento de fibras para fabricação de papel da China, contribuiu para o estado atual da indústria e dos mercados de celulose."

Crescente interesse em subprodutos de celulose

“A utilização de resíduos e subprodutos do processo de produção de celulose acelerará nos próximos 15 a 30 anos", prevê Cordeiro. "Cada vez mais tecnologias de bioprodutos alcançam a escalabilidade de produção comercial impulsionada pela forte demanda de proprietários de grandes marcas e consumidores com consciência ambiental."

“Já estão acontecendo investimentos tangíveis em fábricas de celulose de última geração com vários produtos. Isso traz uma clara diversificação de portfólio, junto da celulose convencional e da energia verde. Novos produtos incluem combustíveis renováveis avançados, produtos químicos de base biológica, materiais à base de lignina, novas fibras têxteis à base de madeira e o surgimento da linha de combustíveis e produtos químicos "Power-to-X" à base de hidrogênio verde."

Rumo a uma produção de celulose neutra para o clima

“As fábricas de celulose podem desempenhar um papel fundamental no combate às mudanças climáticas, porque a celulose é uma matéria-prima intrinsecamente renovável e reciclável. Hoje existem duas formas principais para a produção de celulose neutra para o clima: melhorar a eficiência energética nas próprias fábricas de celulose e interromper o uso de combustíveis fósseis."

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“Para melhorar ainda mais, a indústria precisa buscar formas inovadoras de reduzir a geração de resíduos, complementadas pelo aumento do uso de subprodutos para substituir materiais virgens”, afirma João Cordeiro.

“A eficiência energética na produção de celulose pode ser aprimorada pelo projeto e pelo teste de novos conceitos, como tecnologias alternativas de secagem de celulose. Quando se trata de trocar de combustível, muitos projetos modernos de fábricas de celulose podem evitar completamente o uso de combustível fóssil. A troca de combustível é articularmente 
importante para os fornos de cal, já que eles, tradicionalmente, consomem óleo combustível ou gás natural. As principais alternativas incluem a gaseificação de biomassa (por exemplo, cavacos e resíduos de madeira) e a queima direta de particulados de madeira. Outra opção é a extração de lignina, que também pode ser utilizada como combustível. Algumas empresas tentaram queimar metanol ou mesmo resina líquida, mas, normalmente, esses combustíveis possuem maior valor em outras aplicações.”  

Tecnologias novas e emergentes

“Também está surgindo uma terceira via para reduzir as emissões. Isso envolve a captura de emissões de CO2, principalmente das caldeiras de recuperação e fornos de cal nas fábricas de celulose kraft. A separação da lignina também é uma forma de captura de 
carbono e uma maneira viável de evitar as emissões de carbono fóssil. A lignina separada pode ser usada como combustível ou matéria-prima para produtos de valor agregado (como componentes de baterias ou fibras de carbono). A produção de combustível sintético é outro exemplo de tecnologia emergente. Ela usa dióxido de carbono capturado com hidrogênio renovável para produzir combustíveis sintéticos, como combustíveis de aviação 
sustentáveis (SAFs) e metanol sintético. As fábricas de celulose são excelentes 
plataformas para capturar CO2 biogênico, pois podem aproveitar a energia renovável 
existente para produzir hidrogênio verde e, então, combinar esses dois elementos em 
combustíveis sintéticos de valor agregado. Vários investimentos em escala piloto e 
comercial já estão acontecendo.” 

Fechando ciclos para melhorar a eficiência

Cordeiro observa que, atualmente, as fábricas de celulose já são, em grande medida, compostas por circuitos fechados. “Para melhorar ainda mais, a indústria precisa buscar formas inovadoras de reduzir a produção de resíduos, que são complementadas pelo aumento do uso de subprodutos em substituição aos materiais virgens. Normalmente, pelo menos 20% em economia de água com baixo custo pode ser identificada na maioria das fábricas de celulose química. Por exemplo, em um projeto recente, a AFRY desenvolveu 
conceitos para uma fábrica de papel e tissue para reduzir o consumo de água em 
50%, ao mesmo tempo que garante que as concentrações no efluente restante do rio 
não excedam os limites legais. As medidas incluíram, entre outras coisas, o fechamento 
dos circuitos de água de resfriamento e a substituição de água fresca por filtrados clarificados tratados em várias partes da fábrica. A filtragem por membrana e até os sistemas de dessalinização por osmose reversa também estão sendo considerados em algumas instalações.”  

“Ao investigar o uso da água e a viabilidade de fechamento dos circuitos, é fundamental considerar todo o processo produtivo. Por exemplo, em áreas com grande disponibilidade de água, o nível ideal de fechamento do sistema precisa ser cuidadosamente analisado. O tratamento avançado de efluentes é fundamental nesse pensamento. É essencial entender 
que a questão principal não é apenas o fechamento dos próprios sistemas de água, 
mas o gerenciamento das consequências que o fechamento cria para a qualidade do produto, a estabilidade do processo, a tendência de escalada, a segurança e as questões materiais."

Um futuro animador para bioprodutos

“O mercado global de novos produtos de base biológica ainda é relativamente pequeno e, provavelmente, avaliado em cerca de US$ 13 a 15 bilhões. O mercado abrange uma ampla variedade de produtos, incluindo resina líquida e outros produtos à base de extrato de madeira (como combustíveis renováveis e produtos químicos), lignossulfonatos e novos produtos emergentes à base de lignina, produtos químicos básicos (como metanol e ácido sulfúrico e CMC), nanocelulose e MFC, aglomerado e óleo por pirólise. Atualmente, as fibras têxteis à base de madeira incluem principalmente fibras de viscose, liocel, acetato, odal e cupro, e o consumo global é de pouco menos de 8 milhões de toneladas, com um mercado avaliado em cerca de US$ 15 bilhões.”

“Embora representem apenas uma pequena parte do negócio florestal tradicional, espera-se que os mercados de novos produtos de base biológica mais que dobrem de valor nos próximos 15 a 20 anos”, diz Cordeiro. “Isso é confirmado pelo alto investimento dos principais players da indústria florestal. Os investimentos vão desde plantas piloto até operações em escala semicomercial e comercial. Até 2035, as fábricas de celulose mais modernas abrigarão vários negócios complementares e uma parte significativa de suas receitas surgirá desses produtos. Também veremos muitas novas instalações autônomas baseadas em madeira, que não produzem celulose ou papéis convencionais, mas que, 
em vez disso, se concentrarão na produção de produtos químicos de base biológica, novas fibras têxteis ou outros materiais e combustíveis inovadores de base biológica.”  

“Conforme a indústria diversifica seu portfólio de produtos e tecnologias, suas credenciais ambientais são simultaneamente aprimoradas, além de preparar o cenário para um futuro mais sustentável”, conclui Cordeiro. 

Texto Peter Cura